A privacidade não deve ser a moeda de troca por serviços personalizados
Apesar de difícil, é possível oferecer serviços personalizados sem violar a privacidade dos usuários. Se é praticável, deve ser feito.
A privacidade é um direito fundamental e um valor inestimável. É inaceitável ser submetido a violações à privacidade como compensação por receber serviços personalizados, como ocorre atualmente em vários empresas da Internet.
Atualmente, oferecer serviços e produtos personalizados para cada usuário é um dos objetivos perseguidos por inúmeras empresas.
Aspectos psicológicos contribuem para a compreensão do poder de influência da personalização. Devido ao viés de confirmação, os seres humanos priorizam ideias que reforçam as suas crenças e preferências pessoais. Ex.: há uma maior probabilidade de um usuário permanecer usando um serviço que lhe forneça conteúdo responsável por reforçar as suas crenças pré-estabelecidas.
Cada pessoa tem suas próprias preferências, que podem diferir significativamente das predileções de outros indivíduos. Portanto, é natural que os indivíduos percebam valor em serviços personalizados com base em suas escolhas pessoais. Melhor ainda se você sequer precisar informar suas preferências, que podem inclusive estar codificadas em seu subconsciente.
A partir de dados pessoais e informações aparentemente inócuas, como o número de curtidas no Facebook, é possível construir um perfil psicológico de cada indivíduo analisado. Esse perfil pode ser usado para direcionar conteúdos profundamente personalizados a cada usuário de um serviço.
Algumas das empresas mais valiosas atualmente investem bilhões de dólares no desenvolvimento de mecanismos de personalização. Só para citar alguns exemplos, cada cliente da Amazon tem a sua própria loja; cada usuário da Netflix tem uma página distinta; o Spotify recomenda músicas e podcasts com base nas preferências pessoais dos seus usuários. O Google apresenta resultados de busca distintos para uma consulta com as mesmas palavras-chave realizada por usuários diferentes.
Apesar das vantagens mencionadas acima, a personalização demasiada pode acarretar em desvantagens bastante indesejadas. Algoritmos de recomendação sugerem conteúdos sobre o que você já gosta e acredita. Portanto, esses sistemas reforçam suas crenças e gostos pessoais, que pode te impedir de conhecer novos conteúdos, potencialmente superiores ao que você aprecia no momento.
A personalização oferecida por esses serviços têm grandes vantagens para os seus usuários. Por outro lado, existem riscos inerentes a essa personalização profunda.
Qual é o preço dessa massiva personalização? Uma extensiva coleta de dados pessoais. Em um futuro não muito distante, as empresas e outras organizações saberão mais sobre você do que você mesmo. Na verdade, sequer precisamos aguardar esse futuro pouco auspicioso.
Escândalos de violação à privacidade estão surgindo a todo momento. Esses escândalos revelam quanta informação algumas empresas coletam de seus usuários, muitas vezes de forma não autorizada.
O escândalo de violação à privacidade envolvendo o Facebook e a empresa Cambridge Analytica (CA) ilustra perfeitamente o volume abismal de dados pessoais que algumas empresas coletam. Executivos da CA afirmaram que possuíam até 5.000 pontos de dados de cada cidadão norte americano. Contudo, não está claro quais informações pessoais estão de posse da CA, o que é ainda mais preocupante. Com esses dados, a CA é capaz de construir um perfil psicológico muito preciso dos indivíduos analisados. Esse perfil foi usado pela CA para publicidade eleitoral personalizada.
Se não for projetada corretamente, a personalização de serviços pode produzir ameaças à privacidade individual.
Escândalos de violação à privacidade, como o produzido pelo Facebook e a Cambridge Analytica, causam prejuízos enormes para a imagem dos agentes envolvidos. Violações à privacidade minam a confiança dos usuários nas organizações envolvidas.
É fundamental que os indivíduos confiem nas organizações que fornecem os serviço que utilizam. A transparência é necessária para a construção e manutenção da confiança entre indivíduos e organizações. Os usuários deve estar cientes que a sua privacidade não será violada, mesmo que a empresa quisesse.
Este texto foi publicado originalmente em: http://bit.ly/2TmFxHa